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Livro pao nosso luiz americo pdf: Pães clássicos e criativos com o fermento natural do Luiz Américo



6 C riando fermentos, fazendo pães É meu, é nosso É uma espécie de instante mágico, um tipo de revelação. Que não tem hora exata nem registro preciso: só dá para perceber que aconteceu olhando em retrospectiva. Talvez seja mesmo um processo, algo que vem à tona depois de muita fermentação, de sovas intercaladas com descansos. Estou falando do momento em que se descobre, enfim, para o que você realmente serve o que pode ou não ter a ver com carreira e profissão. Eu cheguei à conclusão que sirvo para fazer pão. E o verbo servir, neste caso, ganha um significado ainda mais especial: tenho a sensação de que sirvo ao pão, e com ele estabeleço uma relação de cumplicidade. Pois ele também me serve. Não estou dizendo que sou o melhor padeiro do mundo nem que gaste todas as minhas horas imerso em água e farinha. Mas que se trata simplesmente de algo que eu compreendo, que é fluido, que é natural em mim. Eu invisto recursos materiais e emocionais no fermento e na massa, e recolho em troca belas fornadas. E me dou ao luxo de comer fatias generosas no café da manhã, no lanche da tarde, no jantar. Assim como presenteio familiares e amigos, e todos ficam satisfeitos. O pão me deu um lugar no meu círculo de convivência. Quase como a honorabilidade de um padeiro na sociedade medieval. Independentemente do que eu faça ou do que fizer para ganhar a vida, terei sempre a respeitabilidade da guilda, o orgulho do ofício (mais do que da arte). Até onde consigo localizar, foi nos anos 1990 que identifiquei uma relativa facilidade para sovar e assar. Algo que eu colocava em uma categoria semelhante ao pendor que certas pessoas demonstram com as plantas: com alguns, elas crescem, vigoram; com outros, não vingam. Mas ia além disso. Eu seguia um livro de receitas e parecia fácil. Eu assistia a alguém fazendo pão na tv e pensava: também consigo. Segui adiante. Não sou místico (descontada, claro, alguma dose de pensamento mágico que canalizo para fermentos e pães) nem jamais me meti por aquelas tais terapias de vidas passadas. Mas tinha a impressão de que já havia mexido em massas e modelado filões. E acho que tem muita gente que se sente assim: padeiro de alma. Foi pensando nessas pessoas que surgiu este livro. Ele foi feito para aficionados. Para dois tipos deles, na verdade: os que já sabem que adoram fazer pães; e, especialmente, os que ainda nem sabem disso. É uma síntese de experiências pessoais, pesquisas, tentativas e erros, que não pretende discorrer sobre biologia, física e química nem ensinar novos processos para profissionais da área, mas que concentra anos de dedicação à panificação caseira em particular àquilo que a tradição francesa chama de pain au levain naturel. E o termo levain, como vocês vão perceber, volta e meia vai reaparecer ao longo das páginas, sempre se referindo ao fermento natural composto por fungos e bactérias que produzem uma levedação mais lenta, complexa, gerando cascas e miolos muito mais gostosos e densos do que os obtidos industrialmente. De certa forma, esta narrativa de peripécias com pães de fermentação natural (mas não só ela) reproduz um pouco da minha atividade como crítico de restaurantes. Eu descubro antes, vou na frente, me aventuro pelo novo, revisito o velho. Corro o risco de comer mal, tenho a sorte de comer bem... E conto depois para o público, relatando o que foi bom e o que não deu certo. Pois este Pão nosso é a compilação de coisas que testei em casa (em cozinhas nor- 12


7 É meu, é nosso mais e fogões domésticos), que li, que vi, que observei de padeiros de verdade. O tanto que eu gastei de farinha, as noites maldormidas, os equívocos, as dúvidas, tudo isso eu já vivi (e ainda vivo). E de tudo isso tirei lições. São anos de fornadas passados na peneira, modelados e sistematizados aqui, para facilitar a vida dos futuros padeiros amadores. A ideia de compartilhar as coisas que aprendi cultivando fermentos e fazendo pães tomou forma em 2010, no meu blog, o Eu Só Queria Jantar. Criado para tratar principalmente de restaurantes, ele enveredou por outros temas ligados à comida, com muita ênfase no pão. Eu escrevia sobre fermentação natural e reparava que muitos leitores ficavam curiosos. O tal fermento seria um bicho? Era preciso cuidar? E se morresse? Foi aí que resolvi promover uma criação coletiva de fermento, on-line, em tempo real. Eu fazia na minha casa, os leitores no Brasil e no exterior seguiam nas deles. Passo a passo, com direito a atendimento personalizado e plantão de dúvidas. Da primeira mistura com farinha até a fornada final. Foi uma grande felicidade constatar que muitos conseguiram tirar do forno pães bonitos e apetitosos e, desde então, nunca mais pararam de assar seus próprios filões. Uma segunda rodada aconteceu em 2011, também com sucesso. O Pão nosso retoma e multiplica aquele espírito colaborativo. Mas com técnicas, informações e truques muito mais esmiuçados. Com muito mais variedade de pães. E com uma galeria de receitas cobrindo um vasto campo de interesses. Para tanto, foi fundamental a participação da Rita Lobo, criadora do Panelinha e editora deste livro. Ela contribuiu não apenas com visões editoriais e estéticas, com a busca da clareza na explicação de medidas e passos técnicos, mas com dicas preciosas. No fim, percebemos que o conjunto da obra tinha expandido as fronteiras da minha obsessão com a fermentação natural: ele tinha se tornado um tributo ao artesanal, à possibilidade de você produzir em casa todos os itens do seu café da manhã ou do seu lanche. Tudo isso só potencializou aquele que, para mim, continua sendo o propósito mais essencial: dividir com as pessoas a oportunidade de preparar o melhor pão da vida delas. Eu testei fórmulas, preparei pães, analisei-os, devorei-os. E procuro explicar aqui como reproduzi-los, etapa por etapa, da forma mais detalhada. Antes de entrar nas receitas propriamente ditas, vou tratar de ingredientes, de técnicas, de acessórios. E, principalmente, discorrer sobre a criação e a manutenção do fermento natural. É importante entender que não existem aqui verdades absolutas e jeitos únicos de fazer as coisas. Você certamente vai se deparar com outros modelos, outros métodos. Mas estou me referindo a coisas que fiz e que deram certo. Executá-las, portanto, é seguir por um caminho verificado. Incorporar os cuidados e os gestos técnicos descritos é criar um plano de trabalho para que você aprenda a prever o comportamento de algo que, a rigor, é indomável: pois quem manda nas leveduras selvagens que habitam o ar, a farinha e dão origem ao fermento? Tendo atenção com as informações, seguindo os passos, executando as receitas (e praticando-as), logo você mudará de patamar. E passará a sentir segurança para criar suas próprias fórmulas, personalizar suas misturas de farinhas, tentar outros cortes e acabamentos. Poderá, orgulhosamente, servir seu pão. E bem-vindo ao clube! servir ao pão. 13




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8 Criando fermentos, fazendo pães Por que a fermentação natural? C omo você consegue fazer isso? Já perdi a conta de quantas vezes ouvi este tipo de comentário. As pessoas provam o pão e, comumente, oscilam do espanto à incredulidade: Você comprou, conte a verdade. Ou: Duvido que você tenha uma cozinha comum, deve ser um forno profissional. E eu explico que disponho de equipamento normal e que apenas procuro usar ingredientes (água, farinhas e sal) de boa qualidade. É verdade que sigo técnicas e procedimentos e relato tudo aqui no livro. Mas quem consegue fazer o pão, de fato, é o fermento natural. Ele é a alma do negócio. Cozinhar, sentir que os pratos ficaram bons, servi-los para a família e para uns amigos é maravilhoso. Uma receita bem-feita, um jantar que dá certo, tudo isso é muito bom. Mas tirar do forno um filão delicioso, bem fermentado, sovado e assado, tendo zelado por todas as etapas, é absurdamente gratificante. Para mim, talvez seja o ápice do prazer gastronômico doméstico. Mal dá para acreditar no resultado. Para começar, é preciso deixar claro que não estamos lidando com mágica nem com rituais esotéricos. Trata-se de um processo da natureza, algo que evidentemente não dominamos. Mas cujo comportamento aprendemos a prever e a conduzir a nosso favor. Fermentação natural (estamos falando de pão) é o produto da ação de micro-organismos que se alimentam da mistura de farinha e água. Eles consomem os açúcares contidos no trigo e, em troca, produzem gás carbônico, álcool e ácidos. Basta expor a massa (farinha e água) ao ambiente e esperar que ela seja dominada por uma complexa flora microscópica, presente no ar e no trigo, composta por leveduras selvagens (fungos) e bactérias. A bem da verdade, sempre foi assim que se fez pão o fermentado, entenda-se. O que remonta a 4 mil anos antes de Cristo, com egípcios e hebreus (embora o pão ázimo, sem fermentação, seja anterior, com origem provável na Mesopotâmia). E seguiu desse jeito, sempre com leveduras selvagens, até o século xix, quando, a partir das pesquisas do cientista francês Louis Pasteur, foi possível criar o fermento industrial. O pain au levain naturel, portanto, era o padrão, até muito recentemente. A fermentação natural, lenta e caprichosa, num certo momento tornou-se inconveniente para os horários apertados do cotidiano moderno. Até que o método antigo virou mais exceção do que regra, padecendo, exageremos, de uma imagem pública associada apenas a padeiros franceses tradicionalistas. Ou, já nas últimas décadas, a hippies fanáticos por vegetarianismo e coisas do tipo. Para nossa felicidade, isso vem mudando nos últimos anos, especialmente com a valorização dos produtos artesanais e de cultura orgânica. Mas vamos continuar a falar do processo estou aqui para tentar explicar por que ele é tão bom. O processamento dos açúcares contidos no trigo é feito de forma vagarosa, por diversas leveduras (como o fungo Saccharomyces exiguus) e bactérias. São dezenas de tipos agindo em conjunto. Digerindo preguiçosamente o amido do trigo de modo a gerar não apenas os gases necessários para o crescimento do pão, mas também ácido acético e lático, que contribuem para o desenvolvimento de seu sabor peculiar. E liberando enzimas como a fitase, contida na farinha e capaz de tornar o pão inclusive mais digestivo. 14 2ff7e9595c


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